A pandemia de Covid-19 tornou-se uma realidade nas nossas vidas de uma forma absolutamente galopante. Se sente que a situação evoluiu muito rapidamente, tem razões para isso. Entre os primeiros casos confirmados em Portugal e a declaração do estado de emergência, passaram apenas 18 dias. 

Nestes 18 dias, registaram-se 785 casos confirmados e 3 óbitos, com mais de 6 mil casos suspeitos sob vigilância. Quando estiver a ler este artigo, já estes valores estarão desatualizados. Contudo, o meu objetivo é analisar a forma como os órgãos de soberania e os sistemas do Estado deram resposta a esta situação de exceção, vivida entre os dias 02 e 19 de março, na esperança de retirar conclusões úteis para o futuro próximo.

Ao longo destes dias, os órgãos de soberania tomaram medidas progressivamente mais restritivas e complexas, com o objetivo de controlar a transmissão do vírus responsável pela Covid-19. Entre estas, podemos destacar, por exemplo, a declaração da situação de alerta no território nacional, a situação de calamidade no concelho de Ovar e a própria declaração do estado de emergência, pelo Presidente da República, adotado pela primeira na história da democracia portuguesa.

Mas, afinal, porque é que foi declarado o estado de emergência?

Os principais motivos que sustentam a decisão do Presidente da República encontram-se enumerados no  próprio decreto aprovado para o efeito. Considerando a evolução da situação em Portugal e a experiência de outros países na gestão da epidemia de Covid-19, tornou-se evidente que a forma mais eficaz de quebrar as cadeias de transmissão e conter esta epidemia passaria necessariamente pelo isolamento social alargado e rigoroso. 

Neste contexto, o Presidente da República entendeu que as medidas adotadas até aquele momento não seriam suficientes para garantir a contenção da epidemia, sendo necessário assegurar a cobertura constitucional para a adoção de medidas mais abrangentes. A declaração do estado de emergência surgiu assim como a resposta a esta necessidade, uma vez que, em termos práticos, dá ao Governo a autoridade necessária para tomar medidas que englobem a suspensão parcial do exercício dos seguintes direitos fundamentais:

  • Direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional;
  • Propriedade e iniciativa económica privada;
  • Direitos dos trabalhadores;
  • Direito à greve;
  • Circulação internacional;
  • Direito de reunião e de manifestação;
  • Liberdade de culto, na sua dimensão coletiva;
  • Direito de resistência.

Situações e estados: qual a diferença?

Ao longo dos 18 dias em análise, foram tomadas e divulgadas diversas medidas como resposta à epidemia de Covid-19. No entanto, importa destacar a importância particular de algumas destas decisões, nomeadamente, as declarações de situação e de estado, pois é através destas que os órgãos de soberania reconhecem as situações de exceção e asseguram a cobertura legal para as restantes medidas necessárias para a reposição da normalidade. 

O quadro abaixo resume as principais diferenças entre os vários tipos de situação e de estado que podem ser declarados pelos órgãos de soberania.

 

Enquadramento Designação Jurisprudência Situação Âmbito territorial Responsável
Suspensão do exercício de direitos Estado de sítio Constituição da República Portuguesa Agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública No todo ou em parte do território nacional Presidente da República
Estado de emergência Situação de menor gravidade do que o estado de sítio, mas que ainda poderá requerer a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias.
Emergência de proteção civil Situação de calamidade Lei de Bases de Proteção Civil Ocorrência de acidente grave ou catástrofe cujo impacto particularmente intenso requeira a adotação medidas de caráter excecional destinadas a prevenir, reagir ou repor a normalidade das condições de vida nas áreas atingidas pelos seus efeitos. Nacional Governo
Distrital
Municipal
Situação de contingência Ocorrência ou iminência de ocorrência de acidente grave ou catástrofe, sendo reconhecida a necessidade de adotar medidas preventivas e ou medidas especiais de reação não mobilizáveis no âmbito municipal. Nacional Governo
Distrital Entidade responsável pela área da proteção civil
Municipal
Situação de alerta Ocorrência ou iminência de ocorrência de acidente grave ou catástrofe, sendo reconhecida a necessidade de adotar medidas preventivas e ou medidas especiais de reação. Nacional Governo
Distrital Entidade responsável pela área da proteção civil
Municipal Presidente de Câmara

 

Podemos, assim, considerar que a declaração de situações de alerta, contingência ou calamidade são medidas decididas pelo Governo no âmbito das emergências de proteção civil, e que, os estados de sítio e de emergência são medidas decretadas pelo Presidente da República enquadrando-se no âmbito da suspensão do exercício de direitos, liberdades e garantias.

Na situação particular de calamidade pública provocada pela epidemia de Covid-19, e considerando que parte fundamental da solução passa por reduzir ou impedir o contacto social entre as pessoas, a declaração do estado de emergência permite a adoção de medidas que comprometem o gozo de certos direitos fundamentais, enumerados anteriormente. 

Dos primeiros casos confirmados ao estado de emergência em 18 dias

A velocidade com a que situação evoluiu obrigou a uma escalada vertiginosa nas medidas de resposta num curto período de tempo. Nestes 18 dias foi possível verificar que os números de casos suspeitos e de casos confirmados evoluíram segundo uma progressão exponencial. Se analisarmos esta evolução em paralelo com os momentos em que foram emitidas declarações de situação ou de estado, torna-se possível verificarmos que estas coincidiram com os momentos em que a curva se acentua de forma mais significativa. 

As declarações do estado de alerta entre os dias 11/03 e 13/03 são coincidentes com o momento em que o número de casos permite validar que a epidemia em Portugal estaria a evoluir exponencialmente, à semelhança do que foi observado noutros países europeus, como Itália, Alemanha ou Espanha. 

A declaração do estado de calamidade em Ovar representa o reconhecimento do agravamento da situação em algumas partes do território e da necessidade de começar a adotar medidas mais restritivas, uma vez que as medidas de mitigação adotadas até ao momento não estariam a ser suficientes para conter a transmissão do vírus.

Por fim, os números do dia 17/03 e 18/03 confirmam que Portugal estaria a seguir a trajetória epidémica de outros países que falharam na contenção inicial da epidemia, resultando na rutura de serviços de saúde e de apoio social, aumento do número de óbitos e paralisia da respetiva atividade económica. 

Foi perante este cenário que o Presidente da República decidiu declarar o estado de emergência, com o objetivo de criar condições para que os órgãos de soberania pudessem antecipar medidas mais abrangentes.

Lições para os próximos 18 dias

Utilizando como indicador as várias declarações de situação e de estado emitidas pelos órgãos de soberania, é possível verificar que as medidas surgem em função dos números observados em cada momento. Basta observamos o gráfico para concluirmos que o aumento do número de casos antecede as medidas anunciadas, demonstrando que a gestão da situação foi reativa e não antecipatória ou preventiva.

Considerando que passaram 10 dias até à primeira declaração de alerta, e tendo em conta a experiência observada em outros países, é pertinente questionar-nos sobre qual teria sido o impacto na evolução da epidemia se estas medidas tivessem sido tomadas mais cedo. Esta questão coloca-se não tanto para traçar cenários hipotéticos, mas para percebermos que todo o esforço realizado durante este período foi, na verdade, meramente reativo. E que, no futuro, será imperativo mudar a estratégia e apostar em medidas mais abrangentes, que se antecipem à subida dos números, à semelhança do que fizeram os países que representam os casos de sucesso na contenção da epidemia, como a Coreia do Sul ou Macau.

O vírus está a ganhar a corrida em Portugal e é certo que se irá cansar mais tarde ou mais cedo. Mas cabe a todos nós e às autoridades, em particular, encontrar formas de ultrapassá-lo com medidas abrangentes e antecipatórias. Porque aquilo que os números demonstram é que atrasar a implementação de medidas apenas dá folga para o vírus ganhar avanço. 

Espero que nos próximos 18 dias consigamos, enquanto sociedade, encontrar um atalho que nos permita ultrapassar este adversário e ganhar esta corrida o mais rapidamente possível. Temos os instrumentos e a vontade, falta apenas a coragem para avançar com as medidas mais difíceis. Na GET Safety fazemos a nossa parte, promovendo o trabalho remoto e o isolamento presencial, porque para nós, hoje e sempre, a segurança das pessoas está em primeiro lugar. 

Cuide si, cuide de todos!

Miguel Lemos Santos | Managing Partner