Atualmente, somos constantemente expostos a notícias relacionadas com fenómenos extremos, de origem natural e humana. No contexto nacional, já é habitual seguirmos as notícias sobre os incêndios florestais, no verão, e as tempestades, cheias e inundações, no inverno. Neste artigo, apresentamos uma retrospetiva da década, selecionando os 5 eventos mais relevantes que assolaram o nosso país e cujas repercussões afetaram não só as comunidades, mas o próprio o sistema de proteção civil.
1. Aluvião na Madeira - 2010
Na madrugada de 21 de fevereiro de 2010, um fenómeno de precipitação extrema, como nunca tinha sido registado em Portugal, atingiu violentamente a ilha da Madeira. Esta ocorrência provocou fenómenos de cheias rápidas e movimentos de vertentes, os quais causaram diversas vítimas e danos avultados, principalmente no quadrante mais a sul.
Em toda a ilha foram contabilizadas 47 mortes, 250 feridos e ainda 600 desalojados, fruto das múltiplas ocorrências registadas como consequência do fenómeno de precipitação intensa. Entre estas, registaram-se o colapso de infraestruturas, inundações, e o arrastamento de vários veículos, partes de edifícios e outros objetos, por ação da força da água que descia as encostas da ilha. O cenário de múltiplas ocorrências aliado às dificuldades de acesso a várias localidades, dificultou as operações de socorro, que tiveram de ser reforçadas com meios humanos e materiais de vários agentes de proteção civil do território continental.
A quantidade de precipitação que se verificou nesse dia ultrapassa todos os registos históricos existentes até à data em todo o país. No segundo ponto mais alto da ilha, o Pico do Areeiro, registaram-se níveis de precipitação de cerca de 185 litros por metro quadrado, sendo o máximo anteriormente registado de 120 l/m2.
2. Incêndios florestais no Continente - 2013
O ano 2013 destaca-se pelos números relacionados com os incêndios florestais. Todos os anos, Portugal é fustigado pela ocorrência de incêndios florestais, que por vezes evoluem para fenómenos de grande escala, atravessando diversos municípios e consumindo milhares de hectares em poucos dias.
Em 2013, contabilizaram-se mais de 150 mil hectares de área ardida, o maior registo desde os incêndios de 2003 e de 2005, que apesar de já distantes, ainda estão bem presentes na memória de muitos portugueses. Ainda de realçar que, neste ano, faleceram 9 bombeiros durante as operações de combate, com perdas financeiras contabilizadas em mais de 208 milhões de euros.
3. Incêndios florestais na Madeira - 2016
A 8 de agosto de 2016 registaram-se as primeiras ocorrências de incêndios florestais em alguns pontos da ilha da Madeira, motivados e agravados pelas condições atmosféricas constatadas, favoráveis à sua propagação em meio rural e florestal. Assim, evoluíram e ganharam dimensão, atingindo inclusivamente diversas áreas urbanas nas localidades da ilha. Só no Funchal registaram-se mais de 1.600 hectares de área ardida, o que corresponde a cerca de 22% da área total deste concelho.
Em toda a ilha foram contabilizadas 3 mortes e 151 feridos, dos quais 2 em estado grave. A nível de danos materiais, estes incêndios provocaram prejuízos que ascenderam aos 157 milhões de euros. De realçar ainda que, no decorrer das operações, foi necessário proceder à evacuação de dois hospitais e várias unidades hoteleiras da região, em plena época alta do turismo na região.
Este cenário levou o Governo Regional da Madeira a acionar o Plano Regional de Emergência de Proteção Civil, que se manteve ativo durante 7 dias. À semelhança da catástrofe de 2010, as operações de socorro foram apoiadas por meios e operacionais provenientes do território continental, mas também algum reforço de operacionais proveniente da Região Autónoma dos Açores.
4. Incêndios florestais na região Centro – 2017
O verão de 2017 é considerado o pior verão de sempre em termos de incêndios florestais desde que há registos. Só neste ano arderam mais de 440 mil hectares de território e 115 pessoas perderam a vida. Contudo, não foi o ano em que se registaram mais ocorrências, o que permite concluir que estes incêndios foram de dimensões superiores aos de outros anos. Ao mesmo tempo, a época de incêndios de 2017 fica ainda marcada pelo facto de a maior parte da área ardida e das vítimas mortais terem sido registadas fora dos períodos considerados mais críticos.
Como se explica este fenómeno? No incêndio de Pedrógão Grande, em junho de 2017, que registou 66 vítimas mortais em menos de 24 horas e 45.000 hectares consumidos pelas chamas em 7 dias, tratou-se, por um lado, de um incêndio que progrediu muito rapidamente influenciado pelos ventos do furacão que passava ao largo da costa portuguesa e pelas condições atmosféricas únicas que originaram um fenómeno raro de down-burst, o qual foi responsável pela maioria das mortes registadas nesse dia. Por outro lado, no mês de outubro de 2017 registaram-se condições meteorológicas atípicas que potenciaram a ocorrência e progressão de inúmeras ignições, tendo-se registado mais de metade dos 440 mil hectares de área ardida desse ano e as restantes mortes, nesse mesmo período.
Os eventos ocorridos no verão de 2017 tiveram um impacto significativo nas regiões afetadas, onde os danos ascenderam aos 500 milhões de euros, mas também a nível político, derivado do pedido de demissão da própria Ministra da Administração Interna, e ao nível dos sistemas de Proteção Civil e da Defesa da Floresta Contra Incêndios.
5. Tempestade Leslie - 2018
Na noite de 13 para 14 de outubro, o território continental foi atingido pela tempestade Leslie, verificando-se um maior impacto na região centro, sobretudo no distrito de Coimbra. Foram registados valores de velocidade de vento superiores a 170 km/h, o que originou cerca de 2.500 ocorrências um pouco por toda a região afetada, especialmente devido a quedas de árvores e outras estruturas.
Para dar resposta, foi necessário mobilizar cerca de 8.000 operacionais e 2.000 meios terrestres. Devido à forte intempérie, foram cancelados, de forma preventiva, diversos eventos e várias ligações fluviais e marítimas e até ferroviárias. Num balanço geral, contabilizaram-se 27 feridos, 61 desalojados e prejuízos a rondar os 120 milhões de euros, que levaram à participação de 28.000 sinistros às seguradoras.
Qual foi o impacto destes eventos na Proteção Civil?
Os acidentes graves e catástrofes representam um teste de stress ao sistema de Proteção Civil, às medidas de mitigação de risco e ao planeamento de emergência. São estes eventos que obrigam a uma ativação em pleno de todos os elementos do sistema e respetivos meios, que forçam a uma coordenação realizada sobre a pressão do tempo e da complexidade da situação e que, no fim do dia, permitem identificar os pontos fortes e fracos do sistema. São estes eventos que colocam a Proteção Civil, o Estado e a sociedade civil à prova e nos fornecem lições para o futuro.
Conforme referido no nosso artigo Uma década de mudanças na proteção civil, o Sistema de Proteção Civil evoluiu em vários aspetos ao longo dos últimos 10 anos. Uma parte dessas mudanças foi resultado de fatores externos à própria proteção civil ou da implementação de visões estratégicas para o setor. Contudo, outra parte das mudanças resulta das lições aprendidas através da experiência na gestão das ocorrências referidas acima e de outras que não foram aqui mencionadas. Por exemplo, os incêndios de 2013 e, em particular, de 2017, levaram a mudanças significativas no Sistema de Proteção Civil e no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, culminando em medidas como a criação da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais ou a implementação dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”.
Vários autores científicos e até o próprio governo, através da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, já divulgaram dados preditivos que indicam uma maior frequência e intensidade de fenómenos naturais extremos, que potenciarão a ocorrência de acidentes graves e catástrofes. Apenas nos últimos 2 anos, assistimos a vários fenómenos com alguma intensidade como, por exemplo, a tempestade Félix, a depressão Elsa e o Furacão Lorenzo. Posto isto, surgem várias questões: está o Sistema de Proteção Civil preparado para os novos desafios? E quais serão as próximas lições a aprender?